
Foi morar sozinha e recortar revistas, ouvir música alta, dançar pela casa, cantar!
Enterrar num passado distante tudo o que ficou quando não se quer mais lembrar. Jogar fora lembranças ruins, ainda vá lá, mas resolveu praticamente trocar de identidade. Começando pelo cabelo, a cor dos olhos, o esmalte, os sapatos, o próprio nome. Nada fácil mas ela o fez. De quando em quando perguntava-se se era certo e uma rápida olhada no espelho lhe respondia 'melhor agora'. Certa vez pegou aquela caixa que insistia em olhá-la do fundo do armário e achando que havia livrado-se de tudo, como quem abre a caixa de pandora, viu sair de lá todo seu passado feito filme discorrendo lentamente pela parede branca. Atordoada sentou-se no chão frio e não se importando muito com isso, assistiu alí, sentada, recostada na parede o filme de sua vida! boas e más coisas iam recortando os feixes de luz que por algum motivo, escurecia seus pensamentos e diante de seus olhos traziam à tona uma vida inteira. Sua vida inteira. O filme picado que jorrava da caixa a fez reviver nostalgicamente seu trajeto ríspido e tortuoso que a levou até o momento confuso em que encontrava-se, porém pouco a pouco foi notando que cada pedra em sua frente levou-a à construir o caminho que decidiu seguir. Julgava ser o melhor caminho, julgava ter sido a melhor escolha, julgava ter feito o melhor que pôde mas deu-se conta que julgou demais. Todos que passaram por sua vida ficaram para trás do muro que ia construindo-se instantaneamente conforme o tempo ia passando e os passos seguiam adiante. Tornou-se sozinha num caminho disforme, imperfeito e tão frágil quanto uma folha ao vento. Notou que o filme não passaria, não completamente, não seguindo uma sequência lógica se faltasse ao menos um pedaço, por menor que fosse, pois este faria falta; "assim como minha vida" - suspirou. Percebeu que estava tornando tudo mais difícil, tornando tudo em uma mentira, grande e mal construída. Havia se posto num lugar onde tudo em sua volta era falso, uma teia de histórias e fantasias da qual nunca conseguira sair. Pois bem, estava livre! Seus fantasmas do passado haviam libertado-se de uma forma inesperada e logo viu, não foi de todo ruim. Aliás, não foi nada ruim ou doloroso relembrar tudo o que já viveu. Levantou-se lentamente após o final da sessão de seu próprio filme, tomou nas mãos a velha caixa e a guardou. Limpou as lágrimas. Deixou o quarto. Ela tinha algumas cartas a abrir. Ela tinha alguns telefonemas a dar.
Rafaella Moura
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